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sábado, 28 de julho de 2012

Travessia do canal

Esse é meu primeiro post mais aprofundado depois de um bom tempo fora do ar... já nem sei se ainda consigo fazer isso. Mas antes preciso fazer alguns comunicados: o blog passou o patamar das 11 mil visitas (de acordo com o marcador maluco do blogspot). Fiquei impressionado. Até parece que se paro de escrever o número de visitas aumenta... será? Bem, pelo sim pelo não vou continuar com os relatos. O outro comunicado é que estou no bar do Yacht Club Balboa escrevendo,  não sei se as música alta e as cervejas Balboa vão interferir no resultado. O wifi não funciona no barco e fazer uploads via celular é uma tarefa inglória, quiçá impossível.

Vou ter que me esforçar para lembrar como foi a travessia do canal pois já faz quase um mês que deixei o Atlântico para trás. Recordo claramente que atravessei no último dia de junho. Existe uma proposta de aumento de preços da travessia e a data sugerida para a nova tabela era o dia 01/07. Como minha mãe chegaria no começo de julho, acelerei as coisas para atravessar ainda em junho e evitar um possível aumento de 300 dólares.

A última semana na Shelter Marina foi corrida reparando coisas, principalmente os tanques de água e motor, mas isso foi assunto de outro post. Essa marina tem uma particularidade que não mencionei antes: eles não tem uma bomba para encher o tanque, é preciso ancorar ao lado de um navio-posto e encher os tanques. Como estou sozinho é mais fácil para mim levar os tanques de plástico até o navio e encher por lá do que soltar o barco, ancorar ao lado do navio e depois voltar para a vaga. Mas ao chegar lá descobri um sistema comum aqui no Panamá: um barquinho preso em uma corda que se usa para ir da costa ao cais (ou ao barco). Não consegui me imaginar equilibrando 6 tanques de 5 galões de diesel no barquinho e depois escalando pedras. Resolvi ir no dia seguinte com o bote inflável. Isso implicava em ter que preparar o bote e o motor e depois guardar tudo, mas paciência. Ia ter trabalho de qualquer jeito.

Como quase tudo mais no Panamá, no dia seguinte a tripulação do navio posto demorou de chegar e os caras das linhas (linehandlers) chegaram antes do posto abrir. Pedi para eles prepararem o barco (colocar os cabos e as 8 defensas pneus) e esperarem na beira da piscina da marina enquanto eu terminava de arrumar o barco, comprar comida, jogar lixo fora, encher tanques de água, guardar tomadas, mangueiras, bote, motor, roupas. A faina foi interminável. Mas consegui sair antes das 13:00 com destino aos "Flats" de Cristobal, de acordo com a orientação do agente.

A travessia foi tranquila. Comuniquei à torre de controle do porto (é eles tem isso lá) minha rota e eles falaram que estava tranquilo. Ao chegar no ponto de ancoragem descobrir que o mecânico havia montado o guinho da âncora errado e não dava para usá-lo. Percebi qual era o problema, o "gipsy" do guincho que estava montado ao contrário, era só soltar um parafuso, remover o pino guia e reinstalar a peça. Um dos linehandlers se ofereceu para ajudar e enquanto fui buscar um alicate deixei ele soltando o parafuso.

A segunda surpresa foi descobrir que o cara apertou o parafuso para o lado errado e quebrou a cabeça deixando o resto do parafuso dentro do guincho. Deja vu do parafuso no mastro. Mas como eu precisava ancorar e estava chateado com esse incidente, joguei a âncora na água disposto a puxá-la no braço. Quando a âncora começou a descer descobri que o freio da âncora também não funcionava. Resultado, tive que segurá-la na mão. Na pressa tinha esquecido de colocar a luva. Ficou a lição: cabo de nylon corta mãos delicadas. Pelo menos consegui segurar o cabo e amarrá-lo no cunho. Os linehandlers ficaram assustados quando eu cheguei no cockpit com as mãos sangrando. Faz parte. A única vantagem foi que eles viram que eu não ia poder ajudar na faina de içar a âncora e resolveram isso sozinho.

O advisor chegou pouco depois das 17:00 na lancha do prático. Como o anjin é um barco baixo, ao invés de escalar como ele está acostumado a fazer, ele teve que pular para o barco. Descobri que o advisor não é um prático, ele é alguém que trabalha no canal que conhece o processo. O advisor do primeiro dia era piloto de lancha e o do segundo dia um funcionário do departamento de cartografia do canal. Eles não conduzem a embarcação, apenas orientam o capitão da embarcação e aos linehandlers o que fazer.

O trajeto dos Flats até as eclusas de Gatun foi debaixo de chuva. O navio que entraria na eclusa conosco atrasou e tivemos que navegar muito devagar no canal. O Canal do Panamá funciona 24 horas por dia, sem interrupções. Para otimizar o processo tem horas que os barcos navegam só de norte a sul (Atlântico - Pacífico) e vice-versa. Eu poderia falar muitos parágrafos sobre o funcionamento do canal, mas vou me restringir aos pontos mais importantes que mais chamaram minha atenção.

O canal foi concluído em 1913, logo foi calculado na mão, com réguas de cálculo. Apesar disso, quase todo o maquinário original segue operacional. As dimensões são todas muito grandes, não dá para ter a real dimensão de uma eclusa sem estar dentro dela.... os observatórios de Miraflores e Gatun não revelam a grandeza da obra. Tem mais, a eclusa é como um iceberg, a parte visível é muito pequena em comparação com o que está submerso. As portas das eclusas apesar de gigantescas flutuam, e são abertas e fechadas com um pequeno motor elétrico. Uma outra coisa que só se percebe lá dentro é o efeito das turbulência dos navios grandes nos barcos menores.

O complexo de Gatun é composto por 3 eclusas. Subimos ao fundo de um navio grego atracados ao lado de um rebocador. Isso facilitava o processo pois é muito mais fácil jogar os cabos para a tripulação de um rebocador a menos de dois metros de altura do barco do que a pessoas no topo de um muro. Além disso protegia o costado do anjin do concreto das paredes. Segundo a lenda, o canal foi construído no início do emprego do concreto armado para grades estruturas, por isso ele é bem mais duro do que o habitual. A água nas eclusas sobe e desce muito rápido... em dez minutos todo o processo está feito. A água sai por uma série de buracos no fundo da eclusa, o que faz o processo de entrada de água bem homogêneo e sem solavancos.

Depois dos três lances de eclusa chegamos a lago Gatun, que está a 24 metros sobre o nível do mar. De lá navegamos até uma bóia de plástico onde passamos a noite ancorados a ela. A lancha apareceu e o primeiro advisor, o Edwin foi recolhido.

A noite foi tranquila. Preparei um big macarrão para todos, ofereci umas cervejas e fomos dormir.

No dia seguinte acordei cedo para fazer café para a galera. O advisor chegou muito mais cedo do que imaginava. As 06:20 o cara, chamado Rick, já estava a bordo. Infelizmente o motor se recusou a funcionar. para complicar descobri muita água no compartimento do motor. Percebi que água não era do arrefecimento do motor. O nível do óleo estava normal... então liguei para o mecânico para pegar uma consultoria remota. Não parava de lembrar do americano que havia tido problemas no canal e gasto uma pequena fortuna para acertar o barco. Insisti e depois de 40 minutos checando cabos, conexões, consegui fazer o motor funcionar. O motor funcionou até o Pacífico. Depois conclui que a água que entrou no motor entrou pela saída da bomba de porão, pois o barco estava pesado e pegando o mar de lado.

Por causa do atraso o advisor me fez andar mais rápido do que eu gostaria com o motor naquelas condições. Resultado: chegamos muito mais cedo do que o navio que entraria conosco na eclusa de Pedro Miguel. Passamos uma hora rodando em círculos até o navio chegar. E depois ainda tivemos que ancorar em uma parede para esperar o rebocador. Muita desorganização do canal: nos trocaram de eclusa pelo menos duas vezes, em umas horas disseram que iriamos colados a uma parede, em outras junto a um rebocador e até no meio da eclusa.

Comecei a ficar nervoso nesse dia... talvez porque no dia anterior eu não enxergava nada de noite. Mas nesse domingo eu vi os caras errarem no lançamento dos cabos, vi o barco se deslocando a grande velocidade dentro da eclusa por causa da correnteza e do vento de popa. Para complicar, ao utilizar muito a ré, o barco começava a jogar a popa para boreste. Outra coisa que não me agradou foi ter um navio de milhares de toneladas logo atrás do meu barco. Em caso de problemas anjin ia virar airbag de navio.

Então aconteceu o quase acidente: o linehandler erro o lançamento do cabo ao rebocador. ele demorou para recolher o cabo e jogá-lo novamente. Ao jogar o tripulante do rebocador deixou o cabo cair e cabo ficou pendurado na borda falsa do rebocador, enquanto isso o barco começava a atravessar na eclusa. coloquei o motor a força total à ré. Já estava disposto a coloca-lo para frente e bater no rebocador e deixar que os  cabos de proa acertassem o barco. O tripulante do rebocador usou  uma vassoura para catar o cabo e consegui travar o anjin que já estava quase perpendicular ao rebocador. O advisor foi ajudar, motor a ré no máximo e aos poucos anjin voltou ao lugar. Que sufoco.

Pedro Miguel é uma eclusa de um nível seguida na sequência pelo complexo de Miraflores (eclusas duplas). Pois bem, o vento apertou e a situação ficou ainda mais complicada em Miraflores. Os funcionários do canal que levavam os cabo tinham que andar rápido para acompanhar anjin com o motor em reverso tentando compensar a correnteza e o vento. Dessa vez o anjin ficou sozinho no meio da eclusa... eu já estava meio traumatizado com o rebocador. Contudo, nas duas vezes não conseguimos manter o barco corretamente alinhado no meio da eclusa e fomos aos poucos fazendo os ajustes. Nessas eclusas o efeito da turbulência do navio foi mais sentido. E sem o rebocador o navio chegou bem mais perto.

O consolo foi que na segunda eclusa de Miraflores tinha pouco vento. Então o anjin tocou as águas do pacífico quando as portas da eclusa abriram. Felicidade... atravessara o Canal. Nem me importei com a chuva. Fomos nos espremendo pelo lado do Canal para deixar espaço para os vários navios que saiam do canal em alta velocidade.

A lancha do advisor demorou de chegar, assim tivemos que rodar em circulos de novo até ela chegar. Depois fomos para o Balboa Yacht Club. Ao chegar lá outra notícia ruim. Sem vagas. Falei para meu agente sobre o problema do guinho e que tinha que ficar em um lugar com bóia. Ele conversou com o pessoal do clube e conseguiu uma vaga. Que alívio.

Os linehandlers pegaram os pneus-defensas, os cabos de 125 pés e o lixo. O resto da sujeira e bagunça ficou para mim. Mas estava contente. anjin balançava pacífico nas águas do novo oceano. Uma chuva leve caia... assisti um vídeo e fui dormir. Estava cansado mas contente de ter cruzado mais uma pedra de milha!

Um comentário:

  1. Esse texto deu um suspense hein! Eu aqui lendo e ansioso pra terminar. Parabéns!

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