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domingo, 29 de janeiro de 2012

Namastê

Esse vai ser um post diferente... conforme comentei, não vou escrever meu "relatório de oficina" com os problemas, fornecedores e peças instaladas, como de costume. Hoje a abordagem será diferente.

Importante dizer que o dia também foi diferente. Resolvi não trabalhar, tirei uma folga. Quero dizer, decidi não trocar nem instalar nada; não comprei nenhuma peça; não organizei nenhuma lista. O cara da mastreação veio aqui, mas consegui resolver tudo em menos de cinco minutos. No resto do dia pensei na vida, no que aconteceu até aqui e no que provavelmente irá acontecer.

Ao acordar lembrei que havia sonhado com J... sonho bom, descompromissado, sem as charadas dos sonhos que tive nessa semana (geralmente não lembro meus sonhos). Apesar da vontade de continuar dormindo, acordei com o barulho da água batendo na popa. O vento mudou para o norte, o que faz o barco balançar. Fiquei na cama sentindo o movimento do barco para frente e para trás. Inúmeras vezes imaginei como seria dormir em um barco... pensava bastante nisso quando era moleque e ficava olhando a chuva bater  na janela de noite. Imaginava como seria estar em um barco escutando a chuva cair... esse pensamento me acompanha há anos.

Retorno no tempo para 2007, minha primeira grande travessia. Estou em um barco, mas acordo em cima de uma mesa, experimentando a lei de Newton sobre gravitação universal. O balanço do barco me jogou do beliche em cima da mesa e depois sobre umas velas. Isso era a segunda vez em menos de 24 horas... dentro do barco as débeis luzes dos instrumentos na mesa de navegação sumiam a cada relâmpago; o rádio, que insistia em avisar que não deviamos sair do porto porque havia um alerta de tempestade, era silenciado pelos trovões.  O barco jogava como um cavalo chucro. A umidade no interior era terrível e tudo ficava umedecido, inclusive meu saco de dormir. Me perguntei o que eu estava fazendo ali e porque não havíamos escutado o locutor e permanecido em Belfast por mais tempo... sim, eu tive medo. Como já era quase hora do meu turno coloquei minhas roupas de tempo e botas (umidas) e fui para a chuva. Por um breve instante erámos três no cockpit. Depois ficamos os dois do turno. Fazia frio naquela noite chuvosa na costa da Irlanda e a água da chuva e ondas sempre conseguia dar um jeito de entrar nas mangas e pescoço da roupa impermeável. Duas horas depois quem estava no timão vai dormir e chega um novo companheiro de quarto. Assumi o controle do barco que apesar da chuva o barco navegava rápido em direção à Inglaterra... eu ainda tinha receios, mas estava feliz de estar alí, tocando um barco na chuva forte. Lembrei do moleque que ficava olhando a chuva na janela em Salvador e conclui que se alguma coisa errada acontecesse, eu estaria realizado.

Volto para a cabine do anjin e para o sibilar do gerador eólico, acelerando e desacelerando de acordo com o vento. Dessa vez vai ser com meu barco. Foi tanta luta para chegar até aqui, mas em breve partiremos. Isso é empolgante. Volto a pensar no moleque devorando "cem dias entre o céu e o mar". Mas foi depois, lendo o relato da primeira viagem de Aleixo Belov, que ele se encontrou... como bom biano ele nunca quis remar o Atlântico... dá muito trabalho e é devagar. Eu quero ver o mundo, com outra perspectiva - fazer como os antigos que sempre chegavam pelo mar. O barulho da água batendo no casco e o balançar do barco me levam ao sono novamente.

Acordei e fui fazer o café. O imediato havia saído. Comecei a pensar nesse último ano: a saída de Brasília, J, os safaris atrás de barcos, o anjin me acha, o sufoco do pagamento, o labirinto do registro e o pesadelo da reforma. Em breve isso vai acabar e vai dar para começar o que sonhei e a razão porque parti... engraçado, ninguém avisa que antes de chegar no sonho você tem que padecer com esses problemas. Seria mais fácil dar uma de Barão de Münchhausen e me puxar pelos cabelos para sair deste pântano... Sim, mas adversidades estão aí para serem contornadas... isso é só o começo, mas espero que as futuras sejam mais ligadas à viagem em si.

Recordei que é fato que minha decisão mexe com as pessoas: vejo o que aconteceu com minha mãe e com alguns amigos. Mas o bom é ver que tem gente que curte e apoia, como o Fosgate... não vou listar outro(a)s mas ele é um caso que gosto porque é uma pessoa que nunca conheci pessoalmente mas que literalmente vestiu a camisa (ou chapéu) pelo projeto. Bem, na verdade a ordem não foi exatamente essa, mas é um exemplo. Teve gente que sempre me apoiou e teve gente que aceitou o convite e veio participar do projeto, como o imediato. Esse projeto tem  um significado grande para mim, é algo que eu preciso fazer. Como  uma amiga disse, eu nunca pendurei meus quadros na parede porque, no intimo, eu queria partir. E eu preciso partir para voltar. Vou trocar uma casca durante essa viagem. Talvez de larva eu vire marimbondo (não vou falar em virar borboleta ou mariposa pq isso é, lá ele). Ou talvez... bem, tem um outro talvez que não vale a pena mencionar. Mas ele está por aí... é o talvez inevitável.

Hoje conversei com umas pessoas que não falava há algum tempo... elas ficaram orgulhosas que eu consegui chegar até aqui. E eu também, vocês não sabem como. Apesar de ser considerada um clichê eu gosto muito da frase do Neil Armstrong ao pisar na lua e queria adaptá-la. Esse projeto é um pequeno passo para grandes velejadores e aventureiros profissionais, mas é um gigantesco passo para pessoas como você e eu que decidem tomar as rédeas do seu destino. E que seja um passo na direção da maturidade, do auto-conhecimento e da formação de pessoas melhores. O divino em mim cumprimenta o divino em você - Namastê!

4 comentários:

  1. uma obra de arte este post..que fale mais com as pessoas com quem conversou ontem, que se inspire sempre assim..bravo!bravo!

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  2. Legal!! Quem participa desta reforma do barco só lendo os posts é que precisa agradecer. Muito bom ver a evolução a cada dia. E também como o apoio é importante.

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  3. Pontual, não te conheço pessoalmente, mas te imagino. E te agradeço por dividir sua experiência, que inclui contratempos senão não seria um desafio, seria "mais uma" experiência, e olha lá. Eu penso que amigos são possíveis "eus", então te considero amigo porque eu adoraria estar vivendo esta experiência, mas ok, estou vivendo outras, talvez algumas possíveis "vc". A síncope, a pausa, o silêncio, a vagareza do caminhar é necessária e imprescindível precursor de um grande momento. Assim acontece na música, no mar, na vida. Uma grande experiência tem que ser antecedida por uma grande pausa, que erroneamente chamamos de contra tempos, porque na verdade, acredito, trata-se do aprendizado inicial que sua experiência irá requerer, logo, trata-se de uma preparação que vai desde questões "pequenas", parafusos etc mas que não são pequenas, nem grandes, são necessárias para o aprendizado psíquico que terá extremo valor, não hoje, mas durante todo o percurso. Entender que tomar as rédeas do destino não significa tomar as rédeas do tempo. E acredite, o tempo das coisas acontece na hora exata. Então espero que curta ao máximo esse e os demais momentos porque vcs, na verdade, já iniciaram a travessia. A travessia começa aí, nesses contra tempos que eu acredito que são, na verdade, o próprio tempo. Respire, relaxe e sorria pq vc já está vivendo a sua experiência e este momento inicial é fundamental para adquirir habilidades, como a calma e a paciência entre outras tantas, que sem elas, sua experiência seria ordinária apenas e vamos combinar que tratá-sede algo extraordinário, tão extraordinário que eu agradeço vc estar dividindo seus instantes, aflições, medos e coragens... é um presente que nos dá,já que não podemos estar aí em corpo físico. Tem aquela música que diz: tudo é uma questão de manter a mente certa, a espinha ereta e o coração tranquilo... Dia 2 troca uma idéia com yemanjá e lava a alma antes de partir. Abraços virtuais e um beijo no imediato.

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  4. Cada vez que eu leio um post é uma quebra no meu dia a dia. Você não imagina como eu curto isso. Boa viagem e boa sorte. :)

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